O tempo, os cabelos encanecidos, pernas um tanto trôpegas não impediram meu desejo de sonhar, realizar e voar! Só que nós, povo negro, voamos tipo gansos, em formação em V, jamais voamos sozinhos, porque o ganso que ocupa a ponta, ao bater as asas, facilita o voo dos que veem atrás. E assim, o lugar do líder vai sendo ocupado pelos demais, alternadamente.
Antes de mim, pelos corredores do Centro de Educação já passou outra mulher negra, linda e maravilhosa, aliás, lindas e maravilhosas somos todas nós mulheres que lutamos contra a exclusão, a violência, o discurso racista. Protegemos nossos filhos e ainda sonhamos por nós e por eles.
Na segunda-feira, 13 de agosto, data de defesa de minha tese, no programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM, lembrei muito do símbolo Sankofa, um ideograma que faz parte do sistema de escrita Adinkra, empregado pelos povos Akan, da África Central. A Sankofa representa uma ave migratória com o pescoço voltado para trás, e significa que apesar de voar para frente, ele olha sempre para trás, para o passado. E nesse retorno ao passado, encontro minha mãe, Dona Lucília com seus conselhos e as colegas de infância e juventude Roselene de Souza, Suzana Cartier, minha irmã Graças, o clã das Domingues: Lourdes, Carmem, Suzana e Estela em algazarra juvenil, andando pela Sete, rumo ao Maneco e Cilon Rosa. A memória me presenteia com a imagem das primas Ritas (Ana e Matilde). Reencontro a saudosa Mariazinha Domingues, que com suas conversas de pé de orelha, estimulava as jovens que frequentavam a Sociedade União familiar a não se acomodarem e a escaparem, através dos estudos, das cozinhas das patroas. Abraço Dona Tereza Valmerate que me oportunizou conviver no cotidiano da Sociedade Afro Resistência e Força (SARF) e no Projeto O Negro e a Educação, desenvolvido pela Secretaria de Educação/RS a postos estavam Vera Lúcia Valmerate, Sara e Luiza Saucedo Corrêa. Num período mais recente a referência, foi no Museu Treze de Maio, com Giane Vargas Escobar, Sirlei Barboza e tantas outras pessoas que ajudaram a me construir. UBUNTU! Eu estou aqui, porque atrás de mim, uma rede de sustentação me serviu de apoio. Humildemente reconheço e agradeço a todas.
Ao contemplar o futuro, como Sankofa, acolho os olhares enternecidos das estudantes e dos estudantes cotistas, que compareceram à minha defesa ou enviaram mensagens. Eu sei que estão vibrando. Havia luz nos olhinhos de vocês, por isso compartilho esse título com todos os cotistas da UFSM. A partir de agora, seremos regra, não exceção. O muro de Berlim do racismo institucional está sendo derrubado!